Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu lançam o mote para uma reflexão sobre o presente e o futuro dos regimes demoliberais, com a peça “O Meu Amigo H.”. Em contagem decrescente para a estreia, na próxima sexta-feira, dia 19, no grande auditório Francisca Abreu do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães, os dois encenadores e o ator Virgílio Castelo conversaram com o JN sobre a importância deste “sinal de fumo antes do alarme despertar” relativamente aos novos totalitarismos.
A peça parte do texto homónimo de Yukiu Mishima (1925-1970) e embora tenha algumas diferenças, de acordo com Cláudia Lucas Chéu, “mantém algumas das ideias basilares, os pilares seguros com os quais erguermos o espetáculo. Esses pináculos fortes que sustêm o inferno na terra são representados por quatro homens: o capitalista, o militar, o sindicalista e o H., o Homem, o líder, que nasce do conflito e da ambição pelo poder.” Para Mishima, H. era “um génio político”, Cláudia Lucas Chéu prefere chamar-lhe “monstro”.
Não é o texto mais óbvio para se lançar um alerta sobre uma nova alvorada dos totalitarismos, até porque, no original, Mishima faz uma glorificação da figura de Hitler. A capa da primeira edição, em 1968, no Japão, tinha o retrato do ditador alemão, encabeçada por uma suástica. “O texto tem todos os ingredientes para nós o querermos. Não é fácil de trabalhar em cena. A palavra revela-nos uma estética de guerra permanente, de uma revolução sem fim, uma masculinidade toxica, a brutalidade da beleza. Mas há também espaço para a baixa política, dos bastidores, dos jogos internos de sobrevivência”, afirma Albano Jerónimo. “Mishima não é consensual e isso é ótimo. Quando o Ricardo Braun me apresentou o texto percebi que tinha uma arquitetura brutal para falar sobre o nosso tempo”, acrescenta.
“Os problemas que a extrema direita coloca, resolviam-se com duas bengaladas no Chiado”
Virgílio Castelo
Yukiu Mishima, politicamente, foi próximo dos ideais nacionalistas que alimentaram os regimes de extrema direita que conduziram o mundo à II Guerra Mundial. Em termos literários, Mishima oscilou entre a glorificação da cultura japonesa e assimilação dos modelos ocidentais. A sua escrita dramatúrgica é disso prova, dividindo-se entre a reescrita de peças de teatro noh e obras que seguem o cânone ocidental.
Na adaptação que a companhia Teatro Nacional 21 apresenta, as referências históricas foram limpas. A iconografia e os figurinos fazem um equilíbrio entre as influências ocidentais e as japonesas. “Isto dos movimentos extremados de extrema direita ou esquerda pode acontecer em qualquer parte do mundo”, lembra Albano Jerónimo. Em palco estarão quatro atores – Pedro Lacerda, Rodrigo Tomás, Ruben Gomes e Virgílio Castelo – personificando o capitalista, o militar, o sindicalista e o H.
Virgílio Castelo faz o capitalista e avisa que se trata de “um texto muito poético”. Contudo, o ator confessa que abordou de uma forma política: “O capital é fundamental nas revoluções, sobretudo de extrema direita.” Segundo Virgílio Castelo, “os problemas que a extrema direita coloca, resolviam-se com duas bengaladas no Chiado. Devemos preocupar-nos é com o capital que está por trás destes movimentos, porque a agitação que se tem visto é bluf. O capital está sempre por trás dos movimentos em que pode ficar a ganhar. O capital fica sempre a ganhar.”
Esta notícia foi publicada na edição online do Jornal de Notícias de 16 de maio de 2023.