Investigadores da UMinho querem criar um modelo digital de cidade para testar medidas antes de serem implementadas.

Na Universidade do Minho (UMinho) há estudantes de doutoramento em inteligência artificial (IA) que estão a desenvolver uma tecnologia que liberta os médicos do teclado do computador, para que possam focar-se nos doentes, as aplicações práticas da investigação que se faz no Laboratório Associado de Sistemas Inteligentes (LASI) podem servir finalidades tão distintas como ajudar no diagnóstico médico ou melhorar a gestão das cidades. O LASI está sediado no campus de Couros da UMinho, em Guimarães, há um ano, junta mais de 500 cientistas e 13 centros de investigação, de sete universidades, na área da inteligência artificial (IA). É o maior “laboratório associado” entre os 40 existentes no país e tem como linhas temáticas: indústrias inovadoras e sustentáveis; cidades inteligentes, energia e mobilidade, saúde e bem-estar; infraestruturas e sociedade conectada; e administração e governança.
“A IA é como um binóculo que nos permite ver no meio da complexidade”, ilustra Paulo Novais, investigador e coordenador do LASI que pertenceu, durante mais de uma década, à equipa de direção da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial (APPIA). Num tempo em que somos inundados por enormes volumes de informação é impossível a um ser humano gerir em tempo útil os dados que estão disponíveis para tomar decisões. É aqui que entra a IA. Atualmente, os médicos são obrigados a fazer uma série de perguntas, ao mesmo tempo que vão preenchendo um formulário no computador. Isto impede que um diálogo normal se estabeleça entre doente e médico e corresponde a uma das queixas mais frequentes dos utilizadores dos serviços de saúde – falta de atenção. É para resolver este problema que um grupo de doutorandos do LASI está a trabalhar num software que é capaz de, a partir da gravação de uma conversa normal, extrair a informação relevante para preencher a anamnese (questionário médico).
José Machado, investigador do LASI, dá o exemplo dos diagnósticos médicos com recurso a imagens, onde a IA já tem um papel importante. “Antigamente, quando se fazia um raio-x o médico tinha apenas uma chapa, atualmente, com tecnologias como a TAC (tomografia axial computorizada) ou a ressonância magnética são produzidas centenas de imagens em corte. O médico não vai olhar para todas elas ou vai levar imenso tempo a fazê-lo”, esclarece. A imagiologia é uma área da medicina em que a IA já está a ser abundantemente usada para aumentar a agilidade e a eficiência, mas também para reduzir os erros e conseguir diagnósticos mais precisos. Estes dispositivos são capazes de detetar padrões subtis que escapariam ao radiologista, até porque os bancos de imagens usados para treinar estas “máquinas” têm uma quantidade imensa de dados, em permanente atualização.
Ajudar a tomar decisões
Este processo de auxílio na tomada de decisão é o que se pretende numa “smart city”, outra das linhas de investigação do LASI. Trata-se de recolher dados, através de sensores, sobre um conjunto de aspetos do funcionamento da cidade “para depois detetar padrões e a partir daí tomar melhores decisões”, aponta Paulo Novais. O LASI tem em andamento uma candidatura para construir um gémeo digital do Bairro C (uma zona distinguida, pela UNESCO, como Património da Humanidade, em setembro do ano passado), em Guimarães. Os objetivos são: monitorizar as emissões e o consumo de energia em tempo real, para desenvolver estratégias de redução das emissões de carbono; criar um desenvolvimento urbano sustentável com uma logística verde e transportes ecológicos multimodais; desenvolver soluções baseadas na natureza para melhorar a qualidade do ar e reduzir as emissões; fazer uma transição industrial promovendo a economia circular, reduzindo os desperdícios e o consumo de energia.
Podemos imaginar o presidente da Câmara de Guimarães com acesso a um “Sim City” (jogo de construção de cidades) do Bairro C, em que pode testar as soluções antes de as implementar na realidade. O investigador José Machado reconhece que as primeiras versões “não serão um clone da realidade”, mas um modelo digital de alguns aspetos da cidade. O professor aponta o caso de Singapura que criou um “digital twin” (o nome em inglês) para aumentar a eficiência dos transportes, melhorar a gestão de energia, facilitar o acesso aos serviços públicos e promover a segurança pública.
Perigos da inteligência artificial
A propósito das aplicações nocivas da IA, Paulo Novais diz que é como com todas as tecnologias humanas: “Uma enxada serve para cavar a terra e produzir alimentos, mas também pode servir para resolver uma disputa e acabar por ser uma arma mortal”. Em todo o caso, o professor reconhece que, “desta vez, há alguma coisa de diferente porque estamos a mexer com aquilo que nos coloca no topo da pirâmide”. Paulo Novais destaca o facto de o Direito já não se referir a estas tecnologias como ferramentas, mas sim como “artefactos”. Este especialista não despreza os perigos de coisas como o reconhecimento facial ou os programas de atribuição de créditos sociais (ambos proibidos na UE) e aponta o caminho da regulação e do diálogo entre os diversos ramos do saber. “A ovelha Dolly foi clonada em 1997 e, hoje, não temos o mundo cheio de clones. Há uma bioética que é geralmente aceite, o que não quer dizer que não há violações”, refere.
“Amália” – ChatGPT português – deixa uma parte da comunidade de IA de fora
Paulo Novais não concorda com o modelo escolhido pelo Governo que, recentemente entregou o desenvolvimento do LLM (“large language model”) português – Amália – ao Nova Lincs, da Universidade Nova, e ao Instituto de Telecomunicações, do Instituto Superior Técnico, “excluindo o resto da comunidade científica de IA”. O coordenador do LASI não contesta a competência mas questiona o método, “num país em que tudo tem de ser feito por concurso público”.
LLMs específicos
Os investigadores do LASI que falaram com o JN acreditam mais na criação de LLMs para fins específicos do que num grande modelo generalista como o “Amália” que terá de competir com os gigantes do setor. Paulo Novais dá um exemplo: “um chat que saiba responder a tudo sobre os regulamentos da Universidade do Minho, em linguagem corrente, para ajudar os alunos”.
Comunidade portuguesa de IA
Além do Centro Algoritmi da UMinho fazem parte do LASI as universidades de Aveiro (IEETA e TEMA), Coimbra (CIBIT e CISUC), Nova de Lisboa (CTS and UNIDEMI), Porto (CMUP e LIACC) e dos politécnicos do Porto (CISTER and GECAD) e Cávado e Ave (2AI ). Paulo Novais garante que a comunidade portuguesa de IA “é boa, forte e tem reconhecimento”, mas alerta que o país precisa de investir mais nesta área, “que é a que maior valor acrescentado está a trazer para as empresas de todos os setores”.
Esta reportagem foi publicada (com pequenas alterações pela editora) nas edições online e em papel, do dia 29 de dezembro de 2024, do Jornal de Notícias.