O clube de ginástica local já integrou quatro atletas vindas da Ucrânia e prepara-se para receber mais em breve.
No treino de ginástica rítmica do Guimagym (Clube de Ginástica de Guimarães), por estes dias, as instruções da professora Adriana Castro são ditas em português e repetidas em russo. O clube tem quatro novas atletas – Sasha, Sonya, Ailara e Mira – chegadas da Ucrânia. Observando a alegria que põem naquilo que fazem, pode-se até esquecer a razão que as trouxe para Guimarães.
“Estão a gostar de Portugal?”
“Yes”, a resposta vem em coro, acompanhada de um grande sorriso sincero. Mira, a mais nova do grupo, com apenas oito anos, toma a dianteira. “Sei falar um bocadinho de inglês e gosto muito de Portugal, é muito bonito, muito verde, tem muitas montanhas e casas muito bonitas”. O inglês de Mira é admirável para uma menina do terceiro ano, mas acaba por ser Ailara, de 11 anos, a assumir a tarefa de porta-voz e tradutora.
A autonomia com que enfrentam a entrevista e admirável, talvez um efeito do treino de alta competição a que estão habituadas. Adriana Castro, a treinadora, tirou a licenciatura e o mestrado em Kyiv e diz que os ucranianos têm uma atitude muito diferente relativamente ao desporto. “Para os pais ucranianos, o desporto não é apenas para passar tempo e fazer bem à saúde, encaram-no como uma possibilidade de carreira”.
A vinda das atletas para Guimarães está relacionada com as condições que aqui existem para treinar. O Guimagym tem um pavilhão próprio para a modalidade, inaugurado em 2017, e professores de alto nível. Adriana esteve seis anos na Ucrânia e, quando o Guimagym se começou a organizar para ajudar, ela foi o contacto privilegiado.
As mães das meninas, Sharlo, Juli e Svetlana, eram conhecidas de Adriana e tiveram esta oportunidade, mas recordam com magoa os que não têm a mesma possibilidade de fuga, sobretudo os familiares em zonas de conflito, com quem não conseguem entrar em contacto.
Mira quer ficar para sempre
Sasha e Sonya, de 12 anos, não têm dúvida nenhuma de que querem voltar à Ucrânia, onde deixaram o irmão. Ailara reflete um pouco, mas também diz que quer voltar. Mira está decidida a ficar em Portugal, “quero trazer o meu papá e ficar aqui para sempre”.
As mães e as atletas estão alojadas num hotel rural porque Adriana também está a dar refúgio a quatro pessoas no seu apartamento. “Estamos seis onde antes eram dois, mas tudo se arranja”, conta. As mães das ginastas partilham um carro, que lhes foi arranjado pela comunidade da Guimagym, com Anastasea e Tanya, que dormem em casa de Adriana. “Assim podem trazer as atletas aos treinos, levar o Maxim, o filho da Anastesea, ao ténis e ir às aulas de Português, sem dependerem de mim”, refere Adriana.
Relativamente ao futuro, as mães têm menos certezas que as crianças. Contudo, vão-se preparando para algo mais que uma curta estada. Sharlo é dermatologista, Anastesea é licenciada em gestão desportiva, o marido (com passaporte iraniano) é oftalmologista, e estão a tratar do reconhecimento de competências. Com apenas oito aulas já vão dizendo algumas coisas na língua de Camões, apesar de “os ditongos serem muito difíceis”.
“Fomos muito bem recebidas, no treino e na escola. Já comemorei o meu aniversário aqui e tive um bolo. Temos amigos portugueses e têm-nos dado muitos presentes”, Ailara, 11 anos, atleta.
“Nota-se uma grande diferença entre as nossas ginastas mais novas e as deles. Temos uma menina ucraniana, de 2013, já a treinar a bom nível, com essa idade as nossas ainda andam no jardim de infância”, Adriana Castro, treinadora.
“Gosto muito de Portugal e é muito bom para treinar, mas quero voltar para a Ucrânia onde deixei o meu irmão”, Sasha, 12 anos, atleta
Publicado na edição online do Jornal de Notícias de 4 de abril de 2023