Especialistas em Proteção Civil alertam que há povoações em perigo onde a iniciativa não chegou e outras de baixo risco que estão integradas. Há 2382 aglomerados no país.

Um ano depois de ter sido criado, em outubro de 2017, já havia quase 1800 aglomerados com o programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras implementado. Um arranque fulgurante que foi perdendo tração nos anos seguintes. A 30 de junho de 2025, existiam 2382 “aldeias seguras”, longe de atingir os objetivos traçados no Programa Nacional de Ação 20-30, que é de sete mil em 2030. Os especialistas elogiam o programa, mas criticam a falta de investimento. No terreno, verifica-se que há lugares contabilizados como “aldeias seguras” onde o programa não está completamente aplicado.
O coordenador da Proteção Civil do Município de Castelo Branco, Amândio Nunes, deixa claro que só considera como “aldeias seguras” aquelas em que o programa está totalmente implementado, ou seja, tem oficial de segurança nomeado, formação dada, plano de evacuação e simulacro efetuado. Em Castelo Branco, são 19 os aglomerados que preenchem estes requisitos, esclarece o responsável. Numa consulta à página do programa nacional encontram-se 71 lugares onde está ativo naquele concelho. Em muitas destas aldeias (frequentemente lugares isolados), não existe plano de evacuação, não estão definidos abrigos e refúgios, não foi feito o exercício de evacuação e, em vários casos, o oficial de segurança é partilhado.
Elogiado no estrangeiro
A situação não é única no país e, entre a implementação total e a existência de um oficial de segurança partilhado, há várias situações intermédias. Em Cruzeiro, Monção, por exemplo, falta o plano de evacuação e o simulacro, o mesmo acontece em Roge, Vale de Cambra. A conclusão é que as 2382 aldeias seguras, anunciadas pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil em 2025, não são um retrato fiel do que se passa no terreno. O relatório anual do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais mostra que havia, em 2024, 2350 aglomerados com o programa implementado, mas existem apenas 2198 oficiais de segurança e 992 planos de evacuação.

Xavier Viegas, professor catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, integrou o grupo que fez o estudo técnico sobre aquele programa em 2020 e não hesita ao afirmar que “é muito bom e tem muito potencial”. Conta que o programa é visto no estrangeiro como um exemplo, inclusivamente por instituições, como o Banco Mundial, que querem saber como funciona. “Inicialmente, ficou manchado pela polémica das golas inflamáveis e talvez tenha feito com que perdesse o ímpeto”, recorda. Outro problema apontado por Xavier Viegas, referido no estudo de 2020 e que ainda se mantém, é a não priorização da intervenção por ordem de perigosidade. Há aldeias de alto risco onde o programa ainda não chegou e outras com baixa perigosidade que estão envolvidas.
No entanto, o principal problema identificado por Xavier Viegas, e secundado por Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos de Intervenção em Proteção Civil, é a falta de investimento. Os dois investigadores elogiam as virtudes do programa, mas lembram que não basta criar as estruturas, é preciso mantê-las. “Não sabemos sequer se todas as aldeias seguras criadas ainda estão a funcionar. É preciso criar rotinas, treinar as pessoas, substituí-las quando desmobilizam ou morrem, porque muitos dos oficiais de segurança são pessoas idosas”, alerta Duarte Caldeira. Xavier Viegas sublinha que “a relação custo-benefício deste programa é tão boa, que é surpreendente o pouco investimento que se tem feito nele”.
Amândio Nunes lembra que as ações do programa “têm de ser realizadas aos fins de semana ou em horário pós-laboral, quando há pessoas nas aldeias”. Em Fafe, onde há quatro “aldeias seguras”, Gilberto Gonçalves, o coordenador da Proteção Civil, é cuidadoso quanto à criação de mais: “Se aumentarmos muito o número, precisamos de uma pessoa dedicada só para fazer o acompanhamento”. Pedro Dias, o homólogo da Póvoa de Lanhoso, também concorda e refere que “os municípios, quando criam uma destas aldeias, recebem sinalética, folhetos informativos, coletes refletores e um megafone. Não há apoios financeiros”.
Oficial de segurança é o interlocutor com a comunidade
O programa tem como objetivo a proteção de populações em áreas de interface urbano-florestal, em caso de incêndio. Os aglomerados deveriam ser selecionados por prioridades, tendo em conta a informação histórica sobre a ocorrência de incêndios florestais, ocupação do solo, orografia, clima, demografia e os acessos. É nomeado um oficial de segurança, da comunidade, que funciona como interlocutor entre as autoridades e a população. Para que as pessoas saibam lidar com emergências, são feitas ações de sensibilização para a prevenção de riscos, há medidas de autoproteção, são definidos abrigos e refúgios e elaborados planos de evacuação.
Esta notícia foi publicada nas edições em papel e online do Jornal de Notícias de 2 de agosto de 2025.
