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Mohan Munasinghe veio a Guimarães cantar música de embalar

Como podem bater palmas a um indivíduo que vem a vossa casa dizer-vos que o futuro da Humanidade está nas mãos da Rússia e dos seus amigos?

mohan munasinghe
Mohan Munasinghe. Foto: CMG

O físico, engenheiro e economista, co-premiado com o Nobel da Paz, em 2007, enquanto membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), veio a Guimarães, no âmbito do Planetiers Day, realizado no Laboratório da Paisagem, no passado dia 6, repetir a lenga lenga com que os países do Sul justificam os insucessos provocados pelas más opções que os seus governantes foram tomando, desde as descolonizações. A audiência, naturalmente constituída maioritariamente por europeus, ouviu passivamente as acusações, recebeu a nota de dívida, foi informada de que à Europa está reservado um papel secundário no futuro da Humanidade que será conduzido por países como a Rússia e, no final, bateu palmas.

Mohan Munasinghe tem sido muito louvado pelos responsáveis da Câmara Municipal de Guimarães, por ter feito parte da Comissão Externa de Acompanhamento à candidatura do Município a Capital Verde Europeia que, como é sabido, à terceira tentativa teve sucesso. De acordo com a página de internet do Município de Guimarães, Mohan Munasinghe é pós-graduado em engenharia, física e economia (Cambrige, MIT, McGill e Universidade de Concórdia), recebeu doutoramentos honoris causa, escreveu 96 livros e quatro centenas de artigos científicos e técnicos sobre economia, desenvolvimento sustentável, alterações climáticas, poder, energia, recursos naturais, transportes, ambiente, desastres naturais e tecnologia. 

Apesar desta extensa exibição de autoridade académica, espanta-me que numa sala onde estavam algumas dezenas de pessoas, ninguém se tenha indignado quando, por diversas vezes, o ilustre professor disse que, na sua opinião, “o futuro para um mundo mais sustentável será liderado pelos BRICS”. Os BRICS, inicialmente apenas BRIC, começaram por ser formados pelo Brasil, Rússia, Índia  e China, juntou-se-lhes mais tarde a África do Sul (South Africa, em inglês), e mais recentemente entraram também Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia, Irão e Indonésia.

Mohan Munasinghe quer convencer-nos de que quem nos irá guiar para “um futuro mais sustentável” serão países como a Rússia, que conduzem guerras de de expansão territorial, como julgávamos já não ser possível no século XXI. Além da Rússia, o professor está convencido que podemos contar com o Brasil, governado por Lula da Silva, um aliado de Putin. Claro que também podemos confiar na China, já que com a sua neutralidade inclinada também tem estado ao lado da Rússia na invasão à Ucrânia. O que dizer da Índia, sempre à beira de uma guerra nuclear com o seu vizinho Paquistão e das contorções que vai fazendo para ser, simultaneamente, amiga de Putin e do Ocidente. O Irão, esse dedicado fornecedor de muito do armamento com que a Rússia fustiga as cidades ucranianas diariamente, também faz parte da vanguarda da Humanidade, na opinião de Mohan Munasinghe. À Europa do Humanismo e do Iluminismo, só lhe resta seguir estes faróis. 

Note-se que os BRICS não são um bloco económico nem um projeto de desenvolvimento social, são grupo de países que pretende transformar o seu crescente poder económico e relevância demográfica em poder político. Na maioria dos casos, o desenvolvimento económico destes países assenta exclusivamente na exploração de recursos naturais de formas completamente insustentáveis. Estes países surgem no Índice de Desenvolvimento Humano em posições vergonhosas: 64º a Rússia, 78º a China, 84º o Brasil. Portugal, que também não fica muito bem na fotografia, sem ter petróleo nem outras riquezas naturais, aparece, apesar de tudo, em 40º lugar. 

Para levarem a cabo o seu projeto de reforço de poder político, os BRICS contam com pessoas como Mohan Munasinghe e com populações no Ocidente amorfas e predispostas a serem colonizadas por estas ideias. É hoje genericamente aceite que o Sul, ou os países do Terceiro Mundo, como então se chamavam, falhou. Os projetos políticos que os líderes desses países implementaram, após as independências, conduziram os povos à miséria.

Os processos de independência começaram logo após a Segunda Guerra Mundial, e até as colónias portuguesas que foram das últimas a libertar-se da tutela colonial, já levam 50 anos a governar-se. Todavia, Mohan Munasinghe não tem vergonha de trazer a fatura de uma dívida que ele diz que o Ocidente tem para com o Sul. A culpa continua a ser do colono. Como as questões do momento são o ambiente e o clima, como não culpar o colono pelo desastre?

Diz o professor que os países do Ocidente estão a emitir gases com efeito de estufa desde a Revolução Industrial e, com os conhecimentos de engenharia e economia que lhe conferem os seus doutoramentos, chega a um número astronómico que constitui a dívida que nós, os nosso filhos, netos,bisnetos, teremos de pagar. Não entram nas contas do professor os milhares de quilómetros de linha férrea que o Ocidente deixou no Sul, as estradas, hospitais, portos, aeroportos, escolas, universidades e até as línguas. O colonialismo foi um sistema extrativo, mas prestou serviços e deixou obras. Os portugueses que ponham os olhos em Cahora Bassa, para não ir mais longe.


Fiquei à espera de um período de questões no final da intervenção de Mohan Munasinghe, mas, quando acabou de falar, o professor retirou-se debaixo de um forte aplauso e terminou ali a sessão. Certo de que Mohan Munasinghe não vai ler isto, espero que pelo menos algumas das pessoas que estavam naquela sala o possam fazer. A esses quero perguntar-lhes: Como podem bater palmas a um indivíduo que vem a vossa casa dizer-vos que o futuro da Humanidade está nas mãos da Rússia e dos seus amigos? Como podem aceitar, sem reclamar, uma nota de dívida que vos empenha a vós e às gerações futuras para lá de onde a vista alcança? Eu digo-vos: Mohan Munasinghe veio a Guimarães cantar uma cantiga de embalar e vós deixaste-vos adormecer.

Este texto de opinião foi publicado na edição em papel do Mais Guimarães de dia 11 de junho de 2025.